A dicotomia entre a parceria comercial e a responsabilidade solidária de agências e cias aéreas: um cenário que pode mudar

Por Beatriz T. Portugal Gouvêa e Airton Luis Henrique  | Abril/2024

Nos últimos anos temos enfrentado tema que preocupa as agências de viagens e ainda mostra considerável divergência de entendimento em nossos tribunais, qual seja, a responsabilidade solidária das agências de turismo nas ações de indenizações promovidas, em razão de falhas nos serviços prestados pelas companhias aéreas.

Os operadores do turismo se reinventam a cada dia na fidelização de seus atuais clientes e na conquista de novos. E, neste caminho contam com seus parceiros comerciais a fim de proporcionar a melhor viagem ou a experiência perfeita aos seus passageiros.

Não obstante todos os esforços e cuidados para uma prestação de serviços de excelência e até mesmo medidas preventivas na elaboração da documentação de venda de passagens e pacotes turísticos, as agências por vezes se veem “desamparadas”.

É patente a necessidade das boas relações comerciais e sinergia entre agências e companhias aéreas. E elas existem de fato, mas frequentemente se mostram insuficientes ou até inválidas.

Já nos deparamos inúmeras vezes analisando acordos e contratos de incentivos enviados pelas companhias aéreas às agências visando uma parceria sem igual para a promoção ativa de vendas e marketing de seus voos.

Tudo parece uma relação perfeita até que ocorra alguma falha na prestação dos serviços pela companhia aérea e o passageiro busque no Poder Judiciário a responsabilização de todos os envolvidos na cadeia de prestação de serviços, o que necessariamente inclui a agência, que é o principal canal de comunicação com o cliente.

A partir deste ponto, na maioria dos casos, desvenda-se a dicotomia entre os ferrenhos parceiros comerciais de outrora. Abrem-se as portas para as mais inusitadas defesas judiciais. É certo que a todos é dado o direito de defesa, mas haja criatividade para estas defesas!

Como parceiros comerciais cada parte deveria arcar (independentemente do que estabelece nossa atual legislação) na exata proporção da prestação de seus serviços. Ou seja, se a agência promoveu a intermediação da venda das passagens e por isso recebeu apenas o seu fee de emissão (em média não mais que 10%), e as companhias aéreas se incumbiram do transporte aéreo recebendo o valor integral dos bilhetes (90% da venda), a responsabilidade de cada qual é pelo serviço prestado e o quanto recebido, nada mais.

Contudo, o que mais vemos é a condenação das agências de turismo por responsabilidade solidária. Essa realidade é extremamente injusta, visto que, apesar de terem apenas intermediado a venda das passagens e recebido a contrapartida desse serviço, são condenadas solidariamente ao pagamento de todo o dano material apontado pelo passageiro em seu pleito judicial, isso sem falar nas condenações por danos morais.

Não se desconhece que essa responsabilidade decorre da determinação contida no parágrafo único do artigo 7º do CDC. Isto é, parte de nossa jurisprudência entende que todos que auferem lucro na cadeia de consumo devem responder solidariamente pelos danos causados ao consumidor.

Ocorre, que em muitos casos, esses danos são fruto de falhas exclusivas das companhias aéreas, o que, por lei, afastaria a responsabilidade das agências de turismo, em razão do disposto no artigo 14, § 3º, II, do CDC (culpa exclusiva de terceiro). Apesar do previsto em lei, as agências de turismo têm sofrido constantes condenações em valores muito superiores aos que efetivamente receberam.

Não é razoável que as agências de turismo tenham que suportar derrotas judiciais, sendo em alguns casos condenadas ao pagamento ou devolução de valores que nem sequer receberam, já que foram pagos diretamente às companhias aéreas. Certamente são decisões que acabam inviabilizando a atividade econômica das agências, especialmente aquelas de menor porte.

Por sorte, surgem por todo país algumas decisões em sentido contrário, fortalecendo o entendimento de que cada fornecedor do turismo deve arcar na medida de sua falha e do quanto auferiu na transação.

Nesse sentido aguardamos ansiosamente pela aprovação do Projeto de Lei 2321/21, apresentado pelo deputado Felipe Carreras (PSB-PE) que tramita na Câmara dos Deputados, e que busca alterar o Código de Defesa do Consumidor para determinar a responsabilidade solidária proporcional pela reparação dos danos.

O projeto, que ainda está em tramitação e deverá ser analisado pelas comissões de Defesa do Consumidor, de Constituição e Justiça e Cidadania, se aprovado, distinguirá os intermediários (agências de turismo, no caso) dos fornecedores (companhias aéreas, hotéis, etc), responsabilizando proporcionalmente cada um na medida do dano causado ao consumidor (passageiro).

Enfim, o assunto merece nossa atenção e a reflexão urgente do Poder Judiciário e de nossos legisladores, a fim de corrigir esta distorção quanto a responsabilidade solidária entre intermediários e fornecedores na cadeia de prestação de serviços ao consumidor como medida de Justiça.

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